13 março 2008

Os originais

A cena é uma daquelas que ficam na memória.

Era um domingo do verão de 2002 (ou seria 2003?). Eu tinha meus 20 e muito poucos anos. Estava indo ao cinema pela terceira vez na semana, ver o mesmo filme, Surf Adventures. Adoro cinema, mas confesso que não é para tanto. Os motivos para o exagero? Número um: a nostalgia que só vivi através das histórias contadas por meu pai, de sessões setentistas que volta e meia aconteciam no Cine Pax, em Ipanema. Era só uma película com nosso tema predileto surgir por lá que atrás dela um bando de jovens metidos em suas camisas cheias de hibiscos corriam para pegar as melhores da série – as poltronas mais do fundo. Diz a lenda que da área o filme parecia mais real, por causa do cheiro de queimado que era mais forte. Mas isso é uma outra história.




Do pier para o cinema. Foto: Fedoca/Ricosurf

Pois bem: de camisa florida, havia carregado minha namoradinha três vezes seguidas ao cinema sob um pretexto furreca qualquer que a convenceu re-re-assistir ao filme. A verdade, porém, ia além de qualquer onda fantástica que aparecece na telona. Uma música. Nunca conseguia anotar o nome dela ao fim dos créditos. Na verdade, eu nem sabia o nome.

(Agora, imagina só levar uma namorada ao cinema três vezes seguidas para ver o mesmo “documentário”... e dizer que era por causa de uma música? Eu ia ter que perder anos e anos de muita onda boa aos domingos para ir ao shopping comprar calças jeans.)

– A melhor sensação que já experimentei foi tirar um tubo. Um tubo de verdade, grande, daqueles que você abre o braço, sai no bafo da onda... isso é o que dá a maior motivação para você surfar.

A melodia começava aos 24 minutos, com uma guitarra suave, sem distorção, bem debaixo desta declaração do Marcelo Trekinho – na época, um menino que já sabia bem das coisas, diga-se – e soava como algo que meu pai já havia me mostrado. Tinha um toque de blues meio Johnny Winter, mas não era exatamente aquilo. Era muito pouco psicodélico para ser Led Zeppellin e diferente de Black Sabbath. Era folk, mas não parecia com Dylan...

Legenda: pra quê?

Como as declarações do Treko, as imagens Mentawaiisianas do filme são atemporais. É tubo atrás de tubo, naquele tamanho que vai dos quatro aos seis pés, para os dois lados, perfeito para qualquer um. Não há gota fora do lugar, muito menos manobra que denuncie época - no máximo, um cutibequi ao fim da marola. E a música completa o clima emocionante, sem perder atitude; encaixa como aquele algo mais que o espectador não sabe dizer bem o que é na cena, mas está ali... E o que é melhor, passa longe do clichêzão da década: o ótimo bigodón do Donavon e o banquinho do Jack, que virou lugar-comum em filme de ondas.

Não seria nada demais, afinal, é a função de bons produtores achar elementos que torne uma cena ou um filme inesquecível; só que a turma do Allman Brothers Band é CountryBlues de primeira, daquele tipo que poucas - ou nenhuma, vai saber? - vezes viu na vida água salgada batendo em bancada de coral, chapéu de palha estilo cowboy, calça jeans apertada, cinto de fivela grandona e bigodão estilo xerife. Tudo genuíno, e quer saber? estão felicíssimos com isso.


Tem mais: Blue Sky não é uma música entre mil, uma excessão, não. Todo o disco Eat a peach do Allman é “musica para ir pegar onda” de primeira. Blue Sky, a do filme, é clássica, emociona. Mas não encaixa com qualquer sessão de surfe, sob o risco de decepcionar-se com as ondas. A melodia é tão envolvente que logo o leitor pode se imaginar indo pegar ondas do naipe das do filme – e elas não estão ali todo dia. (Na verdade, quase nunca, né não?).

Tenho um amigo, o Cabeça (todo mundo tem um amigo Cabeça, diz aí!) que é fissurado em filmes de surfe. O cara compra tudo o que é DVD. Pode ser dos anos 80, 90, pode ser até filme considerado ruim. O lance dele é assistir (muito) e colecionar (muito mais). Cada louco com suas manias (tipo ir três vezes ao cinema ver o mesmo filme). Fato é que já há alguns anos, fui surfar com ele, e botei a tal música.
O Cabeça surfa bem, adora o surfe progressivo, e sempre gostou de botar a maior pilha ouvindo Bad Religion e outras pauleiras quando sai em busca das marolas. Mas o cabeça surfa mesmo muito melhor quando vai ouvindo Blue Sky...

Olha no youtube: tudo a ver com surfe, né não?



4 comentários:

Fernando Spuri disse...

Opa Bruno, tudo bom?

Provavelmente você já deve estar sabendo do Festiv´Alma desse ano, um festival gigante de tudo quanto é coisa relacionada a cultura surf. Meu nome é Fernando Spuri e queria falar contigo sobre o seu blog e o festival.

Demos uma pesquisada e vimos que o seu endereço é um dos mais legais que trata de cultura surf e queríamos convidar você e os seus leitores para participarem da divulgação. Vamos deixar dois ingressos aqui a sua disposição. Se você quiser ir com alguém, dar pra amigos, distribuir pro pessoal que lê seu blog, é você que sabe... Assim você vai poder conferir o que rola de verdade por lá.

Dentro do Festiv´Alma acontece a V Mostra LuiLui de Arte e Cultura, o IV Festival Osklen de Cinema e o III Festival Billabong de Música. São várias coisas durante os 4 dias, e isso falando beeem por cima.

Pra ver toda a programação e tudo o que acontece, dá uma olhada no www.festivalma.com.br e confira.

Espero que tenha gostado,

Abraço,

Fernando Spuri

Julio Adler disse...

Boa Bruno!
Allman Bros embalam surf trips de fusca e kombi desde sempre.
Hoje frequenta SUVs e Lanchas incrementadas.
Belo texto.
Abrazzo
Julio

Tom Veiga disse...

Muito boa matéria

. O Forasteiro Broken Nose e O Dicionário de Nomes para Poentes, Ondas e Desertos . disse...

Chocante! Visitei seu blog e me amarrei nos temas. Há pouco, escrevi sobre Neil Young e como ele chegou na minha vida. E, cumpadi, conheci o som dele surfando. Tem também aquele som de Dueling Banjos, saca? Do filme Deliverance. Apesar da carga excepcionalmente negativa da película, a trilha sonora é de arrepiar! A rapaziada pegou muita onda ao som de banjo, aqui onde vivemos o surf!

Abração, e continue o bom trabalho!